Crime Movies

M, de mürder (assassino, em alemão), é a letra que o protagonista do filme de Fritz Lang carrega nas costas, marcada a giz. É também um símbolo público de seus horrores: Hans Beckert (Peter Lorre) é um matador de crianças. Estigmatizado e perseguido pela polícia, ele revolta até os criminosos da cidade, que se unem na caçada. Primeiro longa sonoro de Lang, é considerado uma de suas obras-primas. Supostamente inspirada no psicopata Peter Kürten, o Vampiro de Düsseldorf, a trama na verdade une características de serial killers alemães. Em vez de chocar o público com a visão dos crimes, o diretor faz uso de jogos de sombras e elipses para deixá-los implícitos, causando um impacto profundo – em uma das cenas, o balão de uma vítima é mostrado voando, sem dono. Com seus olhos esbugalhados, Peter Lorre consegue transmitir ao mesmo tempo a maldade e a humanidade do personagem. Em 1951, foi refilmado por Joseph Losey, com o título O Maldito.

Mais que um mestre, Alfred Hitchcock era um lorde do suspense, com obras-primas elegantes no currículo, quando resolveu se dedicar a Psicose, baseado no romance barato de Robert Bloch. A obra literária original era uma montanha russa para as massas, distante dos estudos de tensão controlada do diretor. A Paramount, que bancaria a aventura, acabou desistindo. Hitchcock então partiu para uma produção com recursos próprios, que o estúdio apenas distribuiria. Levemente inspirada no assassino Ed Gein, a história é famosa por uma guinada: a morte de sua (aparente) protagonista no primeiro terço de filme. Para conseguir dinheiro a fim de se casar com o amante, Marion Crane (Janet Leigh) rouba um maço de dólares no trabalho e foge. Em uma noite chuvosa, procura refúgio no Motel Bates, administrado pelo bi- zarro Norman (Anthony Perkins). Acaba morta no chuveiro, golpeada por uma faca, em uma das cenas mais memoráveis do cinema, graças à montagem e aos acordes cortantes da trilha de Bernard Hermann. É quando Norman e sua mãe dominadora assumem a narrativa. Em 1998, Gus Van Sant resolveu homenagear o clássico com uma refilmagem, fiel quase quadro a quadro, sem grande repercussão. Também foi diluído em três continuações.

Hoje um dos filmes mais lembrados do britânico Michael Powell (Os Sapatinhos Vermelhos), A Tortura do Medo teve um efeito tóxico sobre a carreira do diretor. Execrado pelos críticos, só foi reabilitado dez anos depois, graças ao culto de gente como Martin Scorsese. Na trama, o recluso Mark Lewis (Karlheinz Böhm) mora na casa do falecido pai, enquanto aluga o andar de baixo para uma família. De dia, ele se divide entre pequenos trabalhos, tirando fotos sensuais de garotas ou como assistente de estúdio de cinema. Voyeur inveterado, ele começa a assassinar mulheres enquanto registra suas expressões de terror com uma camera 16mm. Recheado de tomadas subjetivas e filmado com um distanciamento gélido – ainda que com o requinte visual habitual de Powell –, o longa parece fazer questão de trazer o espectador para a mente do assassino, em posição de cumplicidade, o que explica em parte o incômodo do público.

Eis urn Hitchcock que honra sua imagem consagrada de sádico bufão. Nesta pérola de humor macabro, o cineasta inglês conta a trajetória atrapalhada de Robert Rusk (Barry Foster), o assassino da gravata. Expulso de um serviço de classificados amorosas, ele começa a violentar e enforcar mulheres. Embora brutais, os crimes são retratados com contornos cômicos. Em um deles, a vítima esbugalha os olhos e põe uma caricata língua para fora. Em outro momento, o assassino procura um cadáver em um carregamento de batatas, como se fosse uma gincana. O deboche serve como contraponto para a única cena de assassinato verdadeiramente inquietante: em vez de mostrar a ação, a câmera desce as escadas e observa de longe a fachada do prédio, deixando para o espectador completar o horror em sua imaginação. Penúltimo filme do cineasta, Frenesi não radicaliza apenas na ironia, mas na abordagem sexual: é o único título de sua carreira a conter cenas de nudez.

Quando o filme estreou, em meados dos anos 1970, o público de cinema ainda não tinha estômago para as fartas doses de sangue e violência hoje corriqueiras. Por isso, muita gente deixou as salas horrorizada com a crueldade da trupe de assassinos. Na trama, eles aterrorizam um grupo de jovens que viaja pelo Texas em um furgão. Empunhando a serra elétrica do título, o demente mascarado Leatherface (Gunnar Hansen) persegue Sally (Marilyn Burns) pelas matas até finalmente capturar sua presa e entregá-la ao grupo de maníacos, que inclui um senil bebedor de sangue humano. Supostamente baseado nos crimes de Ed Gein, o roteiro quase não tem relação com o caso real. Pioneiro na vertente mais sanguinolenta do terror, o longa de Tobe Hooper (Poltergeist: O Fenômeno) também antecipou em mais de vinte anos a estratégia de marketing de A Bruxa de Blair, usando um letreiro inicial para ludibriar os espectadores, apresentando a história como verídica. Teve uma continuação dirigida por Hooper, seguida de cinco filmes derivados, sendo o mais recente de 2013, em formato 3D.

Este pequeno filme independente, de US$ 325 mil, fez a carreira do diretor John Carpenter e pavimentou o caminho de mil imitadores. Michael Myers é mau como um pica-pau desde criancinha, quando assassina a irmã a facadas. Internado em um sanatório, consegue escapar às vésperas do Dia das Bruxas e volta para sua vizinhança, escondido atrás de uma máscara branca, onde passa a matar jovens que insistem em fazer sexo. Embora tenha virado um ícone slasher, o longa de Carpenter investe mais na atmosfera, com jogos de sombras expressionistas, do que na violência explícita. A trilha assinada pelo diretor, com um tema repetitivo de piano, virou um clássico. Estreia no cinema de Jamie Lee Curtis, que mais tarde ganhou a alcunha de Rainha do Grito, o longa deu origem a seis continuações. Em 2007, sofreu um reboot assinado por Rob Zombie, que ainda comandou uma continuação dois anos mais tarde.

Com sua máscara de hóquei no rosto e facão nas mãos, Jason Vorhees é o embaixador pop do terror. Tudo começou em 1980, com um filme de baixo orçamento, criado para pegar carona no sucesso de Halloween, lançado dois anos antes. Na história original, o acampamento para jovens Crystal Lake é o cenário de misteriosos assassinatos em série. A fúria homicida nasce de um incidente acontecido anos antes, quando hóspedes do lugar deixaram o pequeno Jason se afogar no lago. A vingança de sua mãe (Betsy Palmer), no primeiro filme, dá lugar às maldades do filho nas 11 continuações. Em sua longa trajetória sangrenta, o matador silencioso já usou arpão, corneta, flecha e outros instrumentos perfurantes, enfrentou uma médium, viajou para o espaço e mediu forças com Freddy Krueger, de A Hora do Pesadelo. Em 2009, um reboot chegou aos cinemas. A franquia já acumula quase meio bilhão de dólares.

Um thriller infelizmente negligenciado sobre um assassino psicopata que persegue dançarinas de topless em Nova York. O diretor Abel Ferrara consegue capturar com extrema competência a alma sórdida do centro de Manhattan antes de se tornar um destino turístico esterilizado e “disneyficado”.

Elegante versão de Michael Mann do Dragão Vermelho de Thomas Harris (refilmado em 2002 por Brett Ratner), com Brian Cox no papel discreto porém arrepiante de Hannibal, o Canibal.

Filmes sobre assassinos costumam procurar o caminho da estilização ou sanguinolência extrema, o que acaba surtindo o mesmo efeito sobre o espectador: o distanciamento saudável de temas doentios. Quando John McNaughton (Garotas Selvagens) resolveu levar para as telas a história real da diabólica dupla Henry Lee Lucas e Otis Toole, preferiu um caminho sujo e realista.

Filmado em 16mm com módicos US$ 110 mil, o longa é centrado na figura de Henry, um ex-detento que se junta a um antigo colega de prisão para vagabundear e cometer assassinatos. Eles dividem um apartamento com Becky, irmã de Otis, por quem Henry acaba se afeiçoando. Dono de um rosto abrutalhado, Michael Rooker tem uma interpretação memorável como protagonista, conjugando ameaça e um ar patético. McNaughton filma as vítimas mutiladas da dupla com um deleite evidente, buscando a beleza plástica.

Difícil de ser enquadrada em um gênero, a produção teve problemas no lançamento: finalizada em 1986, só conseguiu chegar às telas quatro anos depois. Hoje figura em todas as listas de melhores filmes sobre serial killers.

Baseado nas atrocidades de Richard Chase, o “Vampiro de Sacramento”, e dirigido por William Friedkin, este filme acaba degenerando em uma cansativa polêmica contra a pena de morte. A primeira metade, entretanto — que recria os crimes incrivelmente macabros de Chase —, é algo bem poderoso.

Em Nova York, corpos com as mesmas marcas de ferimentos começam a aparecer. Eles têm algo em comum: são de homens que publicaram anúncios nos classificados amorosos. No encalço do assassino, o detetive Frank Keller (Al Pacino) mergulha cada vez mais fundo no universo das vítimas. Ajudado pelo parceiro Sherman (John Goodman), finge ser um dos pretendentes. Surge então a misteriosa e sedutora Helen (Ellen Barkin), com quem ele acaba tendo um romance, contrariando os mandamentos da inves- tigação. O thriller de Harold Becker tem um roteiro engenhoso e prima pela atmosfera.

Apesar do tema indigesto, O Silêncio dos Inocentes conquistou um raro feito para o gênero (e para o cinema em geral): acumular estatuetas nas cinco principais categorias do Oscar, incluindo a de melhor filme. Seu lugar no mainstream pode ser creditado à qualidade impecável da produção inspirada no best-seller de Thomas Harris e dirigida por Jonathan Demme, que realizou a espantosa proeza de transformar um psicopata canibal em um ícone pop da atualidade, tão bizarramente cativante. Jodie Foster vive a agente novata do FBI Clarice Starling, que recorre à ajuda de um maníaco canibal encarcerado, Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), para encontrar um serial killer à solta. Mais afeito à leveza, Demme (Totalmente Selvagem) encontrou o tom exato para a história, filmada com sobriedade e picos de tensão – principalmente no cerco final ao psicopata, captado com camera de visão noturna. Irônico e assustador, o Lecter de Hopkins ganhou lugar na galeria de grandes assassinos do cinema, imitado e parodiado ad nauseam. E ofuscou por completo a verdadeira força motriz da trama, Buffalo Bill, maníaco de pendores transexuais que aprisiona garotas em um poço.

Uma espécie de metafilme, o longa alfineta e ao mesmo tempo festeja a obsessão contemporânea pelos casos de serial killers. Inicialmente concebido para ser uma comédia de humor negro, o roteiro do thriller mostra a viagem de carro do jornalista Brian (David Duchovny) e sua namorada Carrie (Michelle Forbes), que pesquisam material para um livro sobre assassinos. Enquanto visitam cenários de crimes, eles dão carona a outro casal, formado pelo ex-detento Early (Brad Pitt) e a jovem Adele Juliette Lewis). A dupla não parece boa coisa. E as aparências, nesse caso, não enganam. Uma decepção nas bilheterias, embora tenha feito carreira em festivais, o filme criou um hiato de sete anos na carreira do diretor Dominic Sena.

O diretor Oliver Stone partiu de um roteiro de Quentin Tarantino sobre uma dupla de serial killers para falar de fama, exploração midiática e atração humana pela violência. A inspiração veio de casos como o de O. J. Simpson e dos irmãos Mendes, obsessões da imprensa sensacionalista da época. Do texto original de Tarantino, pouco sobrou. Woody Harrelson e Juliette Lewis vivem o casal de degenerados que viaja pelos Estados Unidos tirando a vida de tudo o que se mexe. Depois de presos, eles são alvo do escrutínio da mídia. Stone fez do filme uma colagem nervosa de linguagens, com filtros, efeitos, animação, em um formato de road movie com trilha barulhenta de rock. Nem toda essa estilização convenceu o público de sua intenção, que era satirizar a cultura da violência. Muita gente viu nesse banho de sangue um videoclipe cheio de atitude – o filme chegou a ser acusado de ter inspirado alguns massacres famosos, como o de Columbine.

Trancada em um apartamento de segurança máxima, a psicóloga criminal Helen Hudson (Sigourney Weaver) tenta se recuperar do ataque de um suspeito, Daryl Lee (o cantor de jazz Harry Connick, Jr., de dente quebrado e cabelo tingido), no banheiro de um auditório em que ela ministrava uma palestra sobre serial killers. 0 trauma fez com que desenvolvesse agorafobia, o medo de espaços abertos. Um dia, ela precisa confrontar seus fantasmas quando um assassino começa a cometer crimes inspirados em famosos maníacos, como David Berkowitz e Jeffrey Dahmer. Colaborando com a polícia, ela se coloca na rota do matador. O suspense de Jon Amiel parte dessa ideia para construir tensão de primeira, em um roteiro de interessantes contribuições para o tema. Com Holly Hunter e Dermot Mulroney.

O número sete do título representa os pecados capitais, inspirações do serial killer John Doe (Kevin Spacey) para seus crimes meticulosamente planejados. Para simbolizar a gula, ele faz um obeso comer até morrer. Uma modelo de rosto retalhado, na sua galeria macabra, exprime a vaidade. Designados para o caso, o veterano detetive William Somerset (Morgan Freeman) e o novato David Mills (Brad Pitt) perseguem uma trilha de pistas para tentar encontrar o assassino, em cenários sombrios da cidade. Egresso da publicidade e dos videoclipes, David Fincher (Clube da Luta) capricha no estilismo com uma fotografia neogótica que faz o grotesco parecer belo, tudo embalado por uma inusitada trilha sonora que vai de Johann Sebastian Bach, passando por Billie Holiday e culminando com David Bowie e Trent Reznor (NIN). O desfecho barra-pesada ajudou a solidificar a reputação do filme como experiência para os fortes.

Este instigante thriller feito para a TV – sobre a caçada ao russo Andrei Chikatilo, conhecido como “A Besta Louca” – mostra um cientista forense lutando para localizar o mais selvagem homicida sexual da era moderna, ao mesmo tempo que lida com todos os obstáculos que a burocracia soviética põe em seu caminho, começando pela recusa do governo de reconhecer a própria existência do assassino.

O garoto assassino da vida real Graham Young foi a inspiração para esta macabra comédia de humor negro sobre um adolescente psicopata inglês que usa sua família como cobaia para seus experimentos letais.

Homenagem aos filmes de assassinos dos anos 1980, o longa de Wes Craven (A Hora do Pesadelo) revisita o gênero com a marca do deboche. Ghostface, um assassino com máscara de fantasma, tem o costume de telefonar para as suas vítimas e perguntar: “Qual é o seu filme assustador favorito?” Sua obsessão recorrente é a jovem Sidney Prescott (Neve Campbell), cuja mãe foi morta anos antes. O roteirista Kevin Williamson brinca com os clichês do terror nos diálogos dos personagens, que conhecem as regras dessas tramas e parecem sempre saber como agir – mas acabam mortos mesmo assim. Nem tudo aqui é gozação, no entanto. A sequência de abertura, com Drew Barrymore, arranca gritos do público. Paridade nas franquias, o diretor comandou todas as continuações – foram três até agora.

Dois jovens invadem uma bucólica casa de veraneio de um casal com filho e iniciam uma série de jogos sádicos com suas vítimas que culmina em assassinato. Desde o título, o filme do austríaco Michael Haneke mostra a que veio: uma reflexão sobre a exploração da violência e a fixação mórbida do espectador. Vestidos de branco e com aparência angelical, os algozes volta e meia interrompem sua tortura psicológica e física para se dirigir à plateia. Em determinado momento, um controle remoto reprisa a ação. Embora ultraviolento, o longa tem fartas doses de crítica implícita, à maneira de Laranja Mecânica. Em 2007, ganhou uma versão americana, comandada pelo mesmo Haneke, com Naomi Watts e Michael Pitt.

Este artístico e subestimado filme do diretor Atom Egoyan – sobre uma fugitiva irlandesa grávida que cruza o caminho de um serial killer, um homem gorducho, obcecado por comida e aparentemente acolhedor (interpretado por Bob Hoskins) – consegue criar uma tensão de roer as unhas sem derramar uma única gota de sangue.

O tetraplégico cientista forense interpretado por Denzel Washington tem a mesma função de Hannibal Lecter (O Silêncio dos Inocentes) e Helen Hudson (Copycat): usar apenas a massa cinzenta para orientar uma policial a capturar um assassino em série. A personagem em questão, Amelia (Angelia Jolie), precisa encontrar um taxista que mata suas vítimas e retira uma lasca de osso delas. O australiano Philip Noyce (Terror a Bordo, Jogos Patrióticos) tem bagagem suficiente para navegar pêlos cliches do roteiro com classe, mantendo o suspense em alta. Na pele de um policial, o onipresente Michael Rooker é uma espécie de Wilson Grey do subgênero de serial killers.